terça-feira, 19 de junho de 2012

Onde tudo começou ...


Somos todos "Recifianos"




























O que desde 2009 havia se tornado piada interna virou realidade. Paul McCartney tocou no Arruda, para quase 60 mil pessoas no sábado e mais 35 mil no domingo. Ao contrário do que foi descrito como “apático” por repórter da Folha de S.Paulo, o público ofereceu ao Beatle uma recepção à altura.

A frieza talvez seja uma questão de onde se assiste. Ou de quem assiste. Mas sendo assim, como explicar as quatro “holas” antes do show começar? E os aplausos puxados pela arquibancada superior enquanto o público premium balançavam seus smartphones?

Impossível não lembrar da famosa ordem dada por John Lennon em 1963, durante show na presença da Rainha da Inglaterra (“os que estão nos lugares baratos, batam palmas; os demais, podem chacoalhar as jóias”).

Outra matéria, publicada por uma revista paulista especializada, igualmente criticou o comportamento do publico, como se o Beatle tentasse fazer um gol contra a suposta má vontade de um estádio lotado. Me pergunto de onde o repórter assistiu o show, pois o que eu presenciei foi justamente o contrário.

Se é para usar a metáfora de final de campeonato, desde o começo, Paul jogou com a torcida a favor. Falou português o tempo todo, recebeu fãs no palco. Conquistou a plateia ao chamar o pernambucano de “povo arretado”, os recifenses de “recifianos”, invocar Luiz Gonzaga (na noite de domingo) e carregar a bandeira do Estado durante o primeiro intervalo.

O calor, este sim, atingiu o músico em cheio. A voz falhou um pouco (perceptível durante Band on the run) mas nada que comprometesse o resultado. Disposto e profissional, o músico cumpriu roteiro de quase três horas, trocando instrumentos (baixo, guitarra, violão, piano, órgão e ukelele), dançando e cumprimentando o publico como bom gentleman que é.

A imprensa vem especulando que esta pode ser a última grande turnê de Paul. Se for, ele se despede no auge, ao menos de sua carreira solo. É a história da musica pop dos últimos 50 anos passada a limpo, ali, na sua frente, por quem a criou. E também a história pessoal do artista, que cantou para a esposa Linda (Maybe I’m amazed) e a atual (My valentine), um smooth jazz que fez o Arruda levitar) e os companheiros John (Here today), George (Something) e Ringo (um pequeno trecho de Yellow Submarine).

Todos sabem que mágoas intransponíveis separaram John e Paul. Mais de trinta anos apos a morte do amigo, este cantou “I love you” em Here today e depois A day in the life. Composta por John (com uma pequena vinheta de Paul no meio), A day in the life é considerada a obra-prima de um disco dominado por Paul. Agora sabemos que o próprio concorda com isso.

O repertório foi certeiro. Quase nada do ié ié ié do começo de carreira, só o suprassumo da segunda fase dos Beatles e da carreira solo, concentrada nos anos 1970. Faltou algo dos anos 1980, como Tug of war ou a balada setentista My love, mas o essencial estava lá: I`ve got a feeling; Let me roll it; Jet; Get back; Day tripper; Eleanor Rigby; Live and let die; Yesterday e Blackbird. Não foram poucos os que choraram. Da infância à vida adulta ouvimos aquelas canções, que se misturaram às nossas vidas.


A sequência final resume o recado de Paul de forma cristalina. Golden Slumbers, Carry that weight, The end, as três últimas músicas do último álbum dos Beatles (Abbey road), foram compostas em 1969 com a consciência de que a banda chegara ao fim. Se este é mesmo um “tchau” de Paul para os latino-americanos, é também uma declaração de amor ao inicio de tudo. Três guitarras solando, assim como nos idos de 1957, quando Paul apresentou George a John.

Apesar de ter oficialmente encerrado a banda, Paul nunca quis que os Beatles chegassem ao fim. Com um show que começa e acaba com cancões daquela época, ele reafirma isso para o mundo. Como cantou na abertura da segunda apresentação, no domingo, “você diz adeus, eu digo olá”. Enquanto houver amor, nada termina.


Texto originalmente publicado por André Dibb em seu blog:

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